terça-feira, 20 de junho de 2017

A Canção de Ninar do Incendiário



Quando eu era criança ouvia o que chamavam de canções para dormir. Eu sentava por horas e ouvia as vozes ao redor da fogueira.

“Pequeno incendiário
Não fique parado diante da chama
Ela levará suas cinzas com o vento.
Não se aproxime das brasas
Elas podem marcar tanto quanto as pessoas que passam e ainda passarão na sua vida…”


Eu corria em volta da fogueira todo dia. O fogo era inexplicavelmente atrativo. Se não doesse tanto chegar perto dele, o tocaria para sempre.

A moça cantava - parece que todo mundo podia cantar o que quisesse - olhando-me com olhos brilhantes:

“Tudo o que você tem é o fogo
Porque todo o plano não existe mais.
O que amava agora está destruído
Tudo é apenas assombração.
Você não é mais uma criança
Sabe que todos travamos batalhas;
Não queira terminar a sua com o que tanto ama”.

Foi quando pisei em destroços quentes. Eu vi minha casa em chamas. O que eu sempre amei estava destruindo o que eu pretendia amar sempre. Me peguei dividido. Devastado; sentia o peso de quilos e quilos de terra sobre meu corpo. Carreguei minha dor e deixei em um lugar seguro. Fingi ser forte para seguir em frente, mas morri muito mais vezes que desejava.

“Quando eu tinha menos idade era um completo idiota
Pus gasolina em minhas roupas.
Deitei e aguardei os sonhos
E a vela no chão correu para mim.
Sua paixão é sua sina
E sua sina te consome quando descontrola.
‘Tudo o que você tem é o fogo’
E tudo com o fogo levará ao fim,
Como paixão sem limites
Nunca sem consequências”.


Faz tempo que não me aproximo do fogo. Faz tempo que deixei de ser o incendiário que acabou com tudo o que amava por paixão. O desejo de tudo me consumiu.

As roupas caem no chão e meus pés afundam na neve. Cantarolo na direção do lago quase congelado e em seguida as palavras saem:

“O perdão nunca é suficiente quando as marcas são permanentes.
Tornar-se o oposto do que amava não é se adaptar às mudanças.
O sangue esfria em dias assim, longe da fogueira,
então as cicatrizes congelam.
Ouço as vozes nos ecos do vento gelado:
‘São marcas de agora e de sempre
Nunca reparadas
Respirar é a única saída
Você, pelo tanto que se deixou influenciar por desejo, nunca vai se perdoar ”.


Um texto do jovem escritor paraense Daniel Pantoja

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